Obrigado a todos que me apoiaram durante a realização desses projetos e a todos que me levam para AMADORA BD, onde eles poderão reverberar com mais intensidade. Foram dias de aventura, matar saudades e de muitas descobertas que irão influenciar o futuro.
A edição portuguesa do meu livro foi feita em um formato ligeiramente menor do que a nacional. E quer saber? Ficou um charme só! Adorei o resultado final! Agradeço a Rui Brito, meu editor, pela oportunidade e conselhos durante a produção, que contou novamente com o design da querida Aline Scheffler e prefácio do amigo Érico Assis, que você pode conferir abaixo:
"Há um momento deste álbum em que uma personagem vai reclamar com nosso protagonista/meta-autor que a mania que ele tem em situar as histórias na sua terra natal, Curitiba, incomoda-a profundamente. A personagem, amigo que quer ajudar o protagonista/meta-autor a ter sucesso na literatura, diz: “Aqui não acontece nada, cara! Invasão alienígena, monstro e super-herói andam por Nova Iorque, Tóquio, Londres, Paris... Mas, poxa vida, quem se importa com Curitiba?”
Muito do que eu conheço da carreira do José Aguiar tem a ver com dar uma
resposta a essa pergunta. E uma resposta bem dada.
Aguiar, como você já suspeita, nasceu e mora em Curitiba. Conheço seu
trabalho desde que ele e uma turma da cidade, mais amigos dos arredores,
inventaram um super-herói: o Gralha. Cientes de todas as outras apostas e da
incongruência na ideia de “super-herói brasileiro” (assunto comprido), o Gralha
era meio que uma tabula rasa em que os autores podiam encaixar histórias
cômicas, de terror, de relacionamentos, até mesmo de super-herói, mas sempre
com aquela piscadela para o leitor de que aquilo não era bem uma
história de super-herói. E o Gralha era um super-herói curitibano.
Curitiba, apesar de estar a meia hora de voo de São Paulo – para o bem ou
para o mal, epicentro de tudo que acontece no Brasil, incluindo quadrinhos –,
fica na região que os paulistas chamam de “O Sul”. “O Sul” é uma construção
cultural que tem mais a ver com sociologia do que com geografia. Lá (aqui, no
meu caso) no “O Sul”, as pessoas falam português diferente, bebem água quente
com grama e tem uns malucos que querem se separar do Brasil. “O Sul” não é São
Paulo, coisa que os paulistas não entendem.
José Aguiar não situa todas suas histórias em Curitiba, nem lembro de ver
seus personagens bebendo água quente com grama. Pode-se dizer que algumas
histórias de sua coletânea Quadrinhofilia são curitibanas, mas as de Vigor
Mortis Comics encaixam-se tanto na sua cidade quanto em qualquer outra. As
adaptações de Machado de Assis (Dom Casmurro) e Euclides da Cunha (Revolta
de Canudos), assim como Reisetagebuch: uma viagem ilustrada pela
Alemanha e seu trabalho para o mercado franco-belga, Ernie Adams,
evidentemente, não são. A Infância do Brasil, um de seus últimos e mais
bonitos trabalhos – disponível em www.ainfanciadobrasil.com.br – se passa, bem,
no genérico “Brasil”.
Fora o Gralha, a única outra personagem decididamente curitibana em que
José Aguiar trabalhou – e no caso, criou – é a Malu, protagonista dos álbuns e
das tiras de Folheteen. E a ideia é certeira: retratar a adolescência na
cidade que o autor conhece bem porque foi onde passou a sua adolescência.
Mais do que situar algumas de suas HQs em Curitiba, Aguiar também tentou
destacar a cidade de outras formas. Ele foi um dos criadores do Gibicon, evento
de quadrinhos que virou um dos mais importantes do país. Em um projeto que
considero ainda mais criativo, o Cena HQ, ele e seus parceiros idealizaram
adaptar HQs para o palco de teatro (e teatro é algo que se associa fácil a
Curitiba, no Brasil). Foram quatro anos de peças que exploravam o potencial
dramático do que se faz de melhor em HQ no país.
O início de Coisas de Adornar Paredes, aliás, me lembrou outro
quadrinista que via muito teatro nos quadrinhos: Will Eisner. A relação entre o
homem e a imagem da santa, e o sentimento de traição, me lembraram o mote de Um
Contrato com Deus. A temática religiosa, embora não esteja em todas as
histórias, atravessa o álbum – que fala mais sobre as coisas que veneramos e
colocamos nas paredes, sejam de fim religioso ou não, sejam por uma religião ou
outra. E de como isso nos afeta.
Não sei se era a intenção do Aguiar, mas ter Eisner como referência não
costuma fazer mal. Embora os traços dos dois não necessariamente combinem, dá
para ver o mesmo raciocínio por trás do traço: a escolha de enquadramento e
ângulo, de deformações e estilizações, de composições de página e de equilíbrio
de massas são todas, ao mesmo tempo, de eficiência dramática e claras na
narrativa. Claro que muita gente já mexeu e contribuiu com essa gramática da HQ
desde que Eisner fez suas experiências, desde setenta e tantos anos atrás. O
Aguiar pode-se incluir entre um deles.
Na mesma página em que a personagem reclama da fixação do
protagonista/meta-autor com Curitiba, outra personagem dá a resposta: “Nosso
mundinho cotidiano é tão banal pra gente que não nos tocamos que ele é exótico pros
outros! O local pode sim ser universal!”
E foi dessa página que eu lembrei quando o Aguiar me convidou para escrever
um prefácio de Coisas de Adornar Paredes – justamente quando o álbum vai
ser publicado em Portugal, levando um pouco de Curitiba, do “O Sul”, do local
para um outro país e outras leituras. E leva também o mais importante: tudo em
que o Aguiar inspira-se a partir de sua cidade, mais tudo que ele é, o que leva
a seu jeito particular – e brilhante – de fazer quadrinhos."
Érico Assis escreve sobre quadrinhos (Omelete, Folha de S. Paulo, Blog
da Companhia, A Pilha) e traduz quadrinhos (Craig Thompson, Dan Clowes,
Neil Gaiman, Grant Morrison, Alison Bechdel) no Brasil. Também foi editor da
antologia O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015, da editora Narval
Comix."
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