PROJETO

O embrião deste livro surgiu em outro século, mais precisamente no já distante ano de 1999, na antologia independente de artistas curitibanos “Almanaque Entropya - Volume 3”. Na ocasião, criei duas histórias em quadrinhos curtas, que já traziam este título - de que gosto tanto - e um pouco do espírito aqui presente. Então peço licença para resgatá-las do limbo para, quase duas décadas depois, tentarmos entender melhor como este livro se tornou o que você tem em mãos. Na revista Entropya encontrei minha primeira oportunidade de fazer HQs mais experimentais e o resultado me deixou bem contente por exercer tal liberdade criativa. Naquela época, eu publicava praticamente só tiras de jornais, tinha uma caligrafia horrível e algumas ideias estranhas que ainda não tinham para onde ser canalizadas.



Ver as coisas por uma perspectiva diferente e inusitada é algo que particularmente me encanta. Como nas analogias que o cantor Arnaldo Antunes fez na música O Nome (no CD homônimo de 1993): “O girino é o peixinho do sapo/ O silêncio é o começo do papo/ O bigode é a antena do gato” e assim por diante. Este primeiro episódio foi inspirado por minha sogra, Clara, que chamava lagartixas de jacarezinhos de parede. O que eu achava particularmente fofo, embora esse ponto de partida não tenha rendido uma HQ, digamos, doce. Mas foi o início de uma forma de criar histórias que, de certa forma, contaminam minhas tiras da série Nada Com Coisa Alguma até hoje. Isso quando não extrapola o papel.

Jacarezinho de parede em ação no mundo real. 
Foto: Reprodução/Twitter/smh.com.au)

Curiosamente, enquanto finalizava esta edição, Fernanda Baukat me enviou o link de uma bizarra notícia que dialoga com minha velha ficção. Publicada em 04/12/15 pelo portal Rede TV o texto falava do australiano Eric Holland, que encontrou um lagarto de 1,5 metro de comprimento em uma parede de sua casa em Thurgoona, Nova Gales do Sul. 



Já o episódio seguinte veio inspirado num açougue no centro de Curitiba, localizado atrás da praça Tiradentes e que ficava na “rota dos sebos” que eu frequentava entre a Gibiteca de Curitiba e o meu ponto de ônibus. O bizarro troféu que ornava sua parede me chamava muito a atenção pela sua bizarrice. Mas como açougues não passam de um comércio de cadáveres, então nada mais justo que um boi, o produto principal do lugar, vigiar a freguesia. Próximo da Gibiteca, na Rua Riachuelo, existia outro açougue, menor e com um churrasquinho grego que não inspirava confiança em mim. Unindo a estética duvidosa com o aspecto nada higiênico do churrasquinho, veio o delicioso segundo episódio. Só para constar, anos depois me tornei vegetariano.



E a série ficou só nisso por um bom tempo. Entropya acabou no quarto número e fui me envolvendo com outros projetos de quadrinhos nos anos posteriores. Mas a vontade de dar continuidade à série permaneceu. Anotei vários rascunhos na forma de conto que foram acumulando na gaveta. A princípio, quis manter o formato original, uma espécie de tira grande, numa história de apenas uma página. Mas as ideias foram amadurecendo, cresceram e se tornaram narrativas maiores. Selecionei as que mais me agradavam e depois decidi que não faria mais uma mera antologia e encontraria uma forma de costurar todas elas. Assim veio a ideia do aspirante a escritor que, sim, fala um pouco das experiências que eu e colegas passamos ao publicar livros e quadrinhos nos anos entre as duas HQs “piloto” e este livro. Que aconteceu na hora em que tinha de ser.

“Coisas de Adornar Paredes” é um projeto sobre aquelas pequenas coisas em que presto atenção quando caminho pelas ruas de Curitiba ou quando visito a casa de alguém e me deparo com alguma sutileza que me sensibiliza. É um olhar especulativo sobre o que vivo, por ser cercado como todo mundo, por toda sorte de coisas de pendurar, colar ou que marcam nossas paredes. Paredes adornadas com mais histórias do que conseguimos imaginar.


José Aguiar

Nenhum comentário:

Postar um comentário